Inteligência Artificial já é realidade em empresas e muda relações de trabalho

Especialistas dizem que ferramenta otimiza diversas tarefas, mas que é preciso se atentar aos impactos na vida dos trabalhadores.

Matheus Viana Machado entra na sala de óculos escuros. Não para esconder o olhar, mas para dar visibilidade a uma tecnologia que participa da interação com os estudantes. Os óculos têm Inteligência Artificial (IA). Basta um comando de voz de Machado para que tirem fotos, filmem, contem objetos que estão na cena. Ele diz que, em breve, essa novidade, ainda não comercializada no Brasil, poderá tornar os celulares obsoletos.

Os estudantes se encantam e querem entender mais sobre os avanços trazidos pela IA, muitos dos quais viram atrações nos cursos ministrados por esse baiano de Rio de Contas, município de 13 mil habitantes e distante quase 600 quilômetros de Salvador.

Em 2005, ele saiu da Bahia com 18 anos com destino a Ribeirão Preto. Interessado por cinema, veio tentar o ingresso em Audiovisual, numa universidade pública.

“Mas só tive dinheiro para o primeiro mês de cursinho”.

Pelo Programa Universidade para Todos (Prouni), do Governo Federal, conseguiu vaga em uma faculdade particular para Ciências da Computação. Não perdeu tempo.

Aliás, Machado busca sempre se antecipar quando o desenvolvimento tecnológico aponta alguma tendência. Quer conhecer e aplicar logo. Na infância, era inquieto, daqueles que desmontavam os carrinhos para “saber como funcionavam”. Agora, se dedica a desvendar os mistérios da IA a interessados de diferentes segmentos de trabalho.

“No início, a galera tinha mais medo, por ser algo totalmente novo, desconhecido. Mas, conforme a IA vai sendo dominada, o pessoal vai identificando as potencialidades”, afirma, ao avaliar o papel da Inteligência Artificial nas tarefas cotidianas.

Além dos cursos, ele presta consultoria a empresas que buscam implantar IA para otimizar suas atividades.

Segundo Machado, a IA pode tornar a nossa vida profissional menos estressante, por causa das facilidades que promove. Mas faz alertas sobre os cuidados.

“A grande dificuldade que podemos ter é as pessoas aceitarem as respostas do ChatGPT como se fossem verdades absolutas. E que elas não influenciem apenas opiniões, mas decisões”.

Para o consultor, os benefícios do uso no trabalho vão depender de como direcionamos a ferramenta.

“A gente domina a máquina porque a gente é resiliente, sabe usá-la a nosso favor. Mas, se partimos apenas para um copia e cola, ela vai ganhar da gente. É importante estar atento a isso porque é uma tecnologia de fronteira. A cada passo que a gente dá, o próximo não está previsto ainda”, declara Machado, que, em março deste ano, fundou a Ascendero, empresa especializada em negócios envolvendo Inteligência Artificial.

Por “gostar muito de gente” e ser apegado às artes, não descarta fazer um filme com cenas geradas por IA. Mas, no momento, prioriza a produção de conhecimento sobre o tema.

“A IA é uma revolução como nunca tivemos. Quanto mais rápido as pessoas compreenderem isso, menor as chances de ficarem excluídas da tecnologia. Até porque as próximas transformações serão ainda mais rápidas”.

Mais um participante

Durante a entrevista virtual para a reportagem do EPTV na Escola, Machado pede licença para incluir mais um participante na conversa. É um notetaker, que pode ser traduzido como um “tomador de notas”. Trata-se de um software com IA que acompanha todo o papo e, ao final, faz um relatório com o resumo dos principais assuntos comentados, separados por categorias, além de lembrar sobre compromissos que foram agendados. Tudo em menos de dois minutos.

Outro assistente que Machado indica às empresas é um aplicativo para celular capaz de traduzir áudios em Português para outros idiomas, e vice-versa, com a voz muito parecida à da pessoa que envia a mensagem.

Um dos profissionais que usam o aplicativo é André Dorta Caielli, comprador da Nature On, empresa de Cravinhos que produz açaí e sorvetes para vendas em redes de supermercados. A tecnologia foi apresentada justamente por Machado e tem sido fundamental nas reuniões que Caielli faz com clientes de outros países, como Estados Unidos, Espanha e Irlanda, para onde a Nature On exporta parte da produção.

“As empresas estão investindo pesado em IA, estão cada vez mais dependentes dela. Chega até a dar um pouco de medo, porque a evolução é muito rápida. Mas acredito que, se souber usar com cuidado, ela só vem para acrescentar”, acredita Caielli, que também conta com a ajuda do ChatGPT para gerar fórmulas de cálculos, criar logotipos, entre outras demandas.

Formado em Administração, com MBA em Logística Empresarial, explica que sempre trabalhou com compras, principalmente no setor de medicamentos. A entrada no ramo alimentício foi há pouco mais de um ano, quando foi contratado pela Nature On.

Para ele, que se considera autodidata em tecnologia, mais um dos benefícios oferecidos pela IA é o nivelamento do QI dos colaboradores.

“Independente do QI de cada um, quando existe a possibilidade de trabalhar com o auxílio da IA, isso equivale a uma pessoa com QI 85. Então, se tenho cinco pessoas em um departamento e todas trabalham com IA, é como se eu tivesse cinco funcionários com um QI mínimo de 85”.

IA no atendimento aos clientes

Um relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI), divulgado em janeiro deste ano, prevê que a Inteligência Artificial vai afetar cerca de 40% dos empregos em todo o mundo. Conforme o documento, ao mesmo tempo que possibilita aumentar a produtividade, a IA pode provocar a substituição de trabalhadores por máquinas. Nem empregos mais qualificados estariam isentos.

Para Gabriel Magalhães, coordenador de marketing da Petrotec e da Tritucap, empresas de um grupo de Sertãozinho que atua nos mercados de construção civil e agrícola, a IA vai mudar as características até dos cargos de CEO.

“Ela pode impactar para o bem ou roubar o seu lugar. Tudo vai depender de como você se prepara diante dela”.

Magalhães também se considera autodidata. Desde os 15 anos, se interessa por tecnologia e marketing. Já trabalhou em agência de publicidade e rádio antes de se transferir para o grupo.

“Tudo sobre tecnologia que o pessoal acha loucura, pra mim é fascinante”, garante. “No começo, é um pouco assustador, mas, quando você começa a usar, percebe que é uma ferramenta auxiliar, desde textos simples até análises de relatórios”.

Prova disso que é ele desenvolveu uma programação com IA para responder a qualquer dúvida sobre a Tritucap. Com todas as informações que tinha sobre a empresa, abasteceu a ferramenta, que agora fornece informações que vão de culturas agrícolas e potências de trator, permitindo aprimorar o atendimento aos clientes.

“Ter conhecimento sobre IA hoje é básico, como já foi no passado com datilografia e inglês”.

A ferramenta foi desenvolvida em dois dias, está em testes e deve ser estendida também para a Petrotec. Magalhães pretende, ainda, transformá-la em um chat em tempo real via WhatsApp, por onde são feitos 95% dos atendimentos de clientes.

“Com a IA, os colaboradores vão poder deixar de fazer trabalhos maçantes e vai sobrar tempo para funções mais estratégicas. Na minha avaliação, não vai tirar trabalho, mas ser um auxiliar nas tarefas”.

Gargalos

A consultora de Recursos Humanos Ana Clara Afonso, de Franca, também não acredita que a IA vem para substituir, mas para aprimorar o ser humano. Com 24 anos e desde os 16 no mercado de trabalho, se dedica, nos últimos três anos, a recrutamento e gestão de pessoas.

“Para mim, a IA deixou tudo mais fácil no mundo do trabalho, mas é importante saber que essa é uma visão de alguém da Geração Z, que teve contato desde cedo com as tecnologias digitais”.

Ela explica, porém, que, enquanto a Inteligência Artificial, de um lado, se mostra imprescindível para o desenvolvimento da Indústria 5.0, focada na colaboração entre humanos e máquinas, propiciando a criação de novos processos e reduzindo impactos ambientais, por outro existem gargalos.

Entre eles, o uso de IA em processos seletivos. No Brasil, a modalidade tem ficado cada vez mais comum em empresas de diferentes portes, por meio de plataformas com a Gupy e a Kenoby, que fazem o ranqueamento dos candidatos a vagas de empregos por competências.

“Uma das grandes polêmicas envolvendo as plataformas é se o algoritmo responsável pela primeira seleção aplica corretamente os critérios”.

Ana Clara esclarece, também, que a IA contribui para promover transformações como a extinção de algumas profissões e o surgimento de outras. Entre as que devem perder espaço, estão operadores de telemarketing, trabalhadores rurais ou de linhas de produção, e analistas de dados e estatísticas. E podem emergir, por exemplo, especialistas em segurança e em ética de IA, e mecânicos de robôs.

“É um desafio muito grande para as empresas e para as pessoas. Mas acredito muito na adaptabilidade, ou seja, as pessoas vão precisar se adaptar à realidade do mercado e, para isso, espera-se que sejam cada vez mais qualificadas. Talvez só a graduação não seja mais suficiente”.

São questões ainda incertas, sem respostas. Que dependem de como a sociedade vai se organizar. E que, provavelmente, nem os óculos do Matheus Machado conseguiriam ainda prever.

FONTE:

https://redeglobo.globo.com/sp/eptv/eptv-na-escola-campinas/noticia/inteligencia-artificial-ja-e-realidade-em-empresas-e-muda-relacoes-de-trabalho.ghtml